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Unidade 1


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Introdução

Prezado(a) aluno(a), nesta unidade pretendemos discutir a importância da ética para compreensão das relações sociais. Mas antes de enforcarmos o nosso objetivo, é fundamental considerarmos o conselho que filósofo Gilberto Cotrim (2004, p. 27) nos dá em seu livro Fundamentos da Filosofia ao afirmar que a ética é um conceito que está presente em nosso cotidiano desde a vida pessoal até as reflexões que fazemos em nossa vida profissional, discutir ética “[...] envolve ao mesmo tempo fazer reflexões metafísicas e reflexões sobre os problemas concretos da vida humana”.

Apesar de, nos dias atuais, deparamo-nos com o questionamento sobre a existência da ética e da moral nos vários setores sociais, o que, muitas vezes, nos leva a crer que a falta desses conceitos é uma regra geral na conduta humana, no decorrer das discussões que faremos neste material  queremos que essa sensação se desfaça e que compreendamos que é papel de cada um ter a ética em seu comportamento com a importância necessária ao exercício da cidadania na formação de pessoas, as quais possam construir relações sociais mais justas, igualitárias e democráticas.

Ao mapearmos os conceitos de ética e de moral no decorrer da história, percebemos que eles assumem diferentes significados, conforme o contexto em que são empregados e conforme os grupos sociais que os empregam. Cotrim (2004, p. 13) argumenta que no campo da filosofia, por exemplo, a ética é entendida como “[...] o estudo dos assuntos morais, do modo de ser e agir dos seres humanos, além dos seus comportamentos e caráter”. O autor ainda ressalta que “[...] a ética na filosofia procura descobrir o que motiva cada indivíduo de agir de um determinado jeito, diferencia também o que significa o bom e o mau, e o mal e o bem” (COTRIM, 2004, p. 14).

A ética na filosofia estuda os valores que regem os relacionamentos entre os indivíduos, como as pessoas se posicionam na vida e de que maneira elas convivem em harmonia com as demais, como elas agem e reagem diante das normas sociais. Dessa forma, caro(a) estudante, para entendermos a importância do conceito da ética na sociedade, primeiro precisamos compreender como se constrói a vida em sociedade. Vamos lá!

A Vida em Sociedade e a Construção das Normas Sociais

A pesquisadora Marlene Neves Strey afirma, em seu livro Psicologia Social Contemporânea (2002), que cada indivíduo ao nascer “[...] encontra-se num sistema social criado através de gerações já existentes e que é assimilado por meio de inter-relações sociais” (STREY, 2002, p. 57). Essa afirmação vai ao encontro de uma máxima formulada na Sociologia que é ‘ser humano é ser social’. Mas, de fato, o que significa sermos um ser social e qual a relação disso com a ética?

Para responder este questionamento, autores como Mondin (1980) e Cotrim (2004) afirmam que é preciso considerarmos que o humano parte “[...] de um processo de socialização, no qual intervêm fatores inatos e adquiridos” (SAVOIA, 1989, p. 54).

A natureza social, de acordo com Mondin (1980), faz com que o ser humano precise se relacionar com os outros pelos mais diferentes motivos, desde de aprender a comunicar, a vestir-se, a como proceder quando está convivendo em grupo.

REFLITA

O indivíduo dentro dos seus padrões sociais, vive em sociedade e, como membro do grupo, como ‘pessoa’, como ‘socius’. A própria consciência da sua individualidade, ele a adquire como membro do grupo social, visto que é determinada pelas relações entre o ‘eu’ e os ‘outros’, entre o grupo interno e o grupo externo (RAMOS, 2003, p. 238).

Ao aceitarmos o pressuposto de Cotrim (2004), aceitamos que a ética é um campo de estudo que busca entender os relacionamentos interpessoais, como as pessoas se posicionam na vida, de que maneira elas convivem com as demais e como elas agem e reagem diante das normas sociais. Temos que admitir que a conduta ética são princípios normativos que se constroem e reconstroem na organização social, permitindo assim o exercício de nossa natureza social.

Por isso, ao estudar a relação entre ética e sociedade, independente da área de conhecimento, precisamos ter em mente, caro(a) aluno(a), que os princípios éticos de um grupo são influenciados pelas normas sociais em que esse grupo vive, pois essas normas oferecem convenções específicas que devem ser seguidas para o convívio em sociedade. Assim, para compreendermos o indivíduo e a sociedade e a conduta ética que rege essa relação, precisamos nos perguntar: o que são normas sociais e como elas são aprendidas pelos sujeitos?

No Dicionário de Conceitos Históricos, de autoria de Kalina Vanderlei Silva (2006), é argumentado que o conceito de norma social é preocupação de diversos pensadores da sociologia e de outras áreas do saber. Autores como Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber, cada um a seu modo, buscaram definir o que são normas sociais.

Ao retratar o pensamento de Émile Durkheim (1858-1917), Silva (2006, p. 48) argumenta que, para Durkheim, a “[...] sociedade só existe devido às regras sociais que padronizam certa forma, as condutas dos indivíduos, estando à serviço da ordem e do bem comum”. Já para se referir ao pensamento de Karl Marx (1818 - 1883), Silva (2006, p. 68) destaca que “[...] as normas sociais são criadas por aqueles que têm poder e com o objetivo de manter o status quo, em outros termos, as desigualdades existentes entre os dominados e dominantes”. Para Max Weber (1864 - 1920) as normas sociais são fruto das ações e intencionalidade dos indivíduos para organização da sociedade (SILVA, 2006, p. 72).

Independente das diferenças nas definições dos autores citados para definir as normas sociais, o que percebemos é que são prescrições de comportamentos que correspondem a uma conduta adequada ou não para um determinado grupo em determinado momento histórico. Dessa forma, é seguro afirmamos que a vida em sociedade não obedece ao acaso, e é nas normas sociais que os indivíduos encontram base necessária para interação humana. O indivíduo, enquanto participante de uma sociedade, está envolto em regras, padrões, crenças e valores que indicam condutas sociais.

A partir do momento em que o indivíduo se encontra inserido dentro de uma sociedade, comunidade e/ou grupo social, será cobrado dele que viva de acordo com as normas sociais desses sujeitos de vivência. Cabe aqui alertamos que as normas sociais nunca são universais e atemporais. Elas estão vinculadas aos indivíduos que as criam como aqueles que as mantêm presentes na sociedade. Sendo assim, é preciso estarmos atentos ao fato de que cada sociedade humana tem suas normas, regras e condutas sociais que caracterizam e expressam o comportamento dos indivíduos frente a outros grupos.

Com base na explanação de Silva (2006) sobre Durkheim, Marx e Weber, somos levados a concluir que não podemos considerar as normas sociais como algo isolado, mas como um conjunto, integrado de características comportamentais aprendidas e que são mantidas ou não a partir das necessidades de um grupo ou de uma sociedade em um dado momento histórico, e é isso que nós dá base para pensarmos a conduta ética na atualidade.

As normas sociais se estruturam na cultura dos sujeitos e são compartilhadas por todos. Elas adentram o modo de vida de um grupo humano norteando a nossa conduta, que pode ser ética ou não, o que nos dá muitas vezes a sensação de que as normas sociais são naturais ou permanente, quando na verdade elas são convenções sociais que são construídas muito antes de nós, estando inseridas em nossa cultura. Por isso, a conduta ética, ao ser analisada, precisa ser inserida na cultura do grupo alvo de nossa reflexão.

SAIBA MAIS

O que é cultura? Para o estudioso britânico Raymond Williams o conceito de cultura pode ser visto como “modo de vida”. Nessa definição, de natureza social ou sociológica, a cultura está relacionada a estilos de vida particulares, atrelados por meio de significados e valores comuns, provenientes de instituições e vistos no comportamento habitual. Saiba mais acessando o link: <https://bit.ly/2OQmVie>.

Raymond Williams, em seu livro Cultura, publicado em 2000, argumenta que:

[...] todo o processo de socialização está ligado à cultura, como também a uma estruturação de comportamentos, à medida que aprendemos e os internalizamos as expectativas sociais que se esperam de nós no decorrer de nossas vidas (WILLIAMS, 2000, p. 27).

Ao utilizarmos o pensamento de Williams (2000) para pensarmos ética na sociedade, temos que lembrar que o que somos e o comportando que se espera de nós é estruturado pelo significado a partir da interação social com o outro. Isso faz com que haja uma construção e desconstrução das expectativas comportamentais de acordo com a cultura na qual estamos inseridos.

Podemos exemplificar isso se analisarmos as expectativas sociais que temos sobre conduta das mulheres em uma determinada sociedade. Na maioria das sociedades ocidentais, a mulher, historicamente, foi vista como um corpo mais frágil e biologicamente inferior do que o do homem, e com base nessa visão muitas eram impedidas de trabalhar fora de casa, votar e ter autonomia econômica. As expectativas para a mulher, por exemplo, do início do século XX eram de que ela fosse uma boa mãe e cuidadora do lar, papéis esses que passaram a ser questionados fortemente no decorrer do século por diversos movimentos ligados aos direitos das mulheres.

Caro(a) aluno(a), pela argumentação você deve ter percebido que há expectativas sociais sobre nós, mesmo antes de nascermos, que são determinadas por convenções sociais.

[...] à medida que adquirimos novas experiências, ampliando nossas relações, vamos nos transformando e com isso podemos modificar o que se espera de nossos corpos. Em cada grupo no qual relacionamos, deparamo-nos com normas que conduzem as relações entre as pessoas, algumas são mais sutis, outras mais rígidas, a aceitação ou não dessas normas sociais nos levará a uma reflexão que se inserirá dentro do campo da ética (CARVALHO, 2013, p. 34).

Uma conduta que pode ser ética para uma sociedade, necessariamente, não é para outra, mas o nosso papel não é determinar o que é ética ou não, e sim entender o porquê.

A Ética no Decorrer da História

Neste momento, aluno(a), já podemos afirmar que, quando nos propomos a discutir ética, não falamos somente de teorias ou fazemos somente reflexão filosóficas, mas discutimos os modelos de vida em que estamos inseridos. O intelectual Álvaro Valls, em seu livro O que é Ética, publicado em 1994, afirma que a ética está ligada diretamente à conduta humana e à liberdade de decidir qual postura adotar referente aos dilemas da vida. O que faz com que a ética se torne um instrumento de reflexão sobre as normas sociais, uma decisão entre quais costumes seguir, quais normas questionar, como afirma Valls sobre a ética:

Tradicionalmente ela é entendida como um estudo ou uma reflexão científica ou filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas. Mas chamamos de ética a própria vida [...] A ética pode ser o estudo das ações ou dos costumes, e pode ser a própria realização de um tipo de comportamento (VALLS, 1994, p. 7).

Um fator que é essencial ao refletirmos sobre a ética é que os costumes de uma sociedade sofrem alterações com o passar do tempo, e o que hoje é aceito pela sociedade futuramente poderá não ser. Como por exemplo, em alguns países já foi considerado antiético ou mesmo ilegal mulheres dirigem, e hoje em parte desses países essa é conduta aceitável.

Cotrim (2004) alerta que por isso é fundamental termos cuidados ao aplicar o conceito de ética, visto que ele não pode se confundir com a manutenção das regras de um grupo sobre outro ou de um tempo histórico sobre o outro, pois podemos facilmente sair do campo da ética – que considera toda a sociedade – e entrar no campo da moral – que considera um grupo.

Para Valls (1994), a conduta das pessoas é fruto da cultura na qual estão inseridas e da história que compartilham, e pode sofrer alterações. Isto “[...] significa que aquilo que sempre foi considerado como um comportamento amoral pode, a partir de determinado momento, passar a ser visto como um comportamento adequado à luz da moral” (NASH, 1993, p. 6). Não se preocupe como essa discussão por enquanto, pois a faremos mais pormenorizada sobre a diferença entre a ética e moral no próximo tópico.

Como afirma Cotrim (2004, p. 73), “[...] ainda que não torne os indivíduos ‘moralmente perfeitos’, a ética tem por função investigar e explicar o comportamento das pessoas ao longo das várias fases da história”. No decorrer da história já tivemos vários estudiosos que se preocuparam em responder a pergunta: o que é ética? Cada estudioso em seu momento histórico ofereceu contribuições que são fundamentais para pensarmos na aplicação do conceito de ética para o bem viver na atualidade. Vamos dar uma olhada em cada uma dessas definições em seu momento histórico.

Ética na Antiguidade

Antiguidade ou Idade Antiga é o período que se estende desde a invenção da escrita, em mais ou menos de 4 000 a.C. a 3 500 a.C., até a queda do Império Romano Ocidental em 476 d.C. Para além da institucionalização da escrita, é nesse período que alguns estudiosos buscaram explicar o mundo dissociando-o da mitologia e passaram a utilizar a filosofia, ou seja, passaram a explicar a ação humana a partir de sua experiência, e não mais a partir das experiências dos deuses.

É nesse contexto que nascem as primeiras reflexões sobre o conceito de ética. Valls (1994, p. 24) discorre que, para os pensadores da antiguidade, “[...] a existência humana só pode ser pensada em sociedade onde os seres humanos aspiram ao bem e a felicidade, que só pode ser alcançada pela conduta virtuosa”. Nestes pensadores existe a preocupação constante de buscar os valores inscritos no interior do sujeito. Sócrates (469 a.C. - 399 a.C.), por exemplo, acredita que:

[...] o homem deveria entrar em contato com a sua própria essência, a fim de alcançar a perfeição, para ele a natureza humana verdadeira seria aquela do homem sadio e puro, em que habitavam todas as virtudes do caráter íntegro e correto. Toda ação do homem ético seria uma ação ética (VALLS, 1994, p. 56).

Para Sócrates, ter uma vida virtuosa depende do “conhecimento de si mesmo” (VALLS, 1994, p. 27). De acordo com Valls (1994):

O filósofo acreditava que através da razão era possível alcançar um ideal de vida ético. Mas como a nossa vida é um constante conflito entre as paixões, os desejos, as emoções e a razão, nem sempre a razão consegue manter o domínio e o controle sobre nossas ações. [...] O lema conhece-te a ti mesmo expressa toda a preocupação moral de Sócrates e não era um lema meramente teórico, mas prático, pois não buscava um conhecimento puro e sim uma sabedoria de vida. Sócrates afirma que o mais importante está dentro de cada um de nós, que quanto melhor nos conhecemos maiores serão nossas virtudes e que em nosso interior está a pureza de viver pelas nossas próprias escolhas (VALLS, 1994, p. 35).

Outro pensador fundamental para pensar a discussão sobre ética na Antiguidade foi Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.). Uma de suas contribuições é sobre a aquisição das virtudes que não se configuram por acontecer de forma rápida, mas sim pelo uso da razão, do hábito e de ações virtuosas. “O homem precisa converter suas melhores disposições naturais em hábitos, de acordo com a razão” (VALLS, 1994, p. 33).

Desse modo, por último, nesse período histórico, de acordo com Valls (1994), temos Aristóteles, que, em seus escritos, esforça-se para produzir uma ética pautada na virtude.

Ética no Medievo

O Medievo ou Idade Média é o período que vai de 476 d.C., com a queda o Império Romano do Ocidente, a 1453 d.C. com a queda do Império Romano do Oriente. Esse período é conhecido pela desagregação de várias instituições sociais, como por causa das chamadas ‘invasões bárbaras’. A Igreja Cristã Católica foi uma das poucas instituições que conseguiu manter sua unidade, o que fez com que ela se tornasse o ponto de referência para a organização social do período. A religião cristã católica tornou-se um elemento essencial na vida das pessoas, propondo formas de ser e agir. Podemos afirmar que o catolicismo tornou-se o condutor das relações sociais, por meio dos mandamentos divinos, determinando regras de conduta moral.

SAIBA MAIS

A palavra ética em grego significa ethos, que é o “[...] conjunto de valores que orientam o comportamento do homem em relação aos outros homens na sociedade em que vive, garantindo, outrossim, o bem-estar social” (MOTA, 1984). Foi  traduzida para o latim (base da língua romana) moralis, que significa “[...] comportamento adequado de uma pessoa em sociedade” (CHIPERA, 2017, on-line), literalmente relativo às maneiras, ao comportamento, costumes, maneiras, modo de agir,  o que fez com que o conceito de ética se tornasse sinônimo de moral, fazendo com que a moral cristã se tornasse referência para os procedimentos sociais. Para saber mais, acesse o link: <http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/moral/>.

Na Idade Média a filosofia sofrerá uma forte influência da tradição cristã. Uma vez que todos os Filósofos deste período são teólogos, bispos, abades e padres. Dessa forma a filosofia permanecerá, ao longo de todo período medieval, subordinada a teologia, de tal modo, que é impossível separar o pensamento filosófico da tradição grega, do pensamento teológico cristão. Neste caso a vida ética era definida por sua relação espiritual e interior com Deus e pela caridade com o seu próximo, por meio da revelação divina. A ética cristã se fundamenta no amor, no qual foi colocado como primeiro e maior mandamento: o amor a Deus acima de todas as coisas e o amor ao próximo. É no amor que o cristianismo encontra sua realização espiritual mais profunda e as bases fundamentais para a vida em sociedade (MEDEIROS, 2016, s/p, on-line).

A ética medieval tem uma consequência profunda da religião, como argumenta Valls (1994, p. 36), “[...] quando o homem se pergunta como deve agir, não pode mais satisfazer-se com a resposta que manda agir de acordo com a natureza, mas deve adotar uma nova posição que manda agir de acordo com a vontade do Deus pessoal”. Entre os pensadores que podemos inserir nesse momento estão Santo Agostinho (354 - 430) e Tomás de Aquino (1225 - 1274).

Para Mondin (1980 p. 78), a ética agostiniana tem como base “[...] o conceito de liberdade e o livre arbítrio da vontade e enfatiza que Deus criou o mundo e partindo disso, não existe o mal. Deus é perfeito e não poderia ser a causa do mal. O mal é o contrário da ideia de Deus, é apenas ausência de bem”. Para Agostinho, o sujeito possui o livre arbítrio e:

[...] a possibilidade de escolha entre o bem e o mal. O que pode afastar o homem de Deus é o fator vontade, que muitas vezes leva o homem a escolhas erradas. Afastar-se de Deus significa ir para o não-ser, ir em direção ao mal. É nesse contexto que surge o pecado, como vontade do homem e não de Deus (MONDIN, 1980, p. 98).

Temos, também, neste período histórico, São Tomás de Aquino, que, de acordo com Cotrim (2004), tem sua ética baseada em uma a razão proveniente de Deus. Aquino argumenta que “[...] o homem tem uma finalidade e consciência de seu fim. Isso mostra que é dotado do dom da razão que, unida à espiritualidade inata, o coloca no âmbito moral” (MELUZZI, 2008, s/p, on-line).  Ao afirmar a sua ética, Santo Tomás diz que a “[...] vontade humana é livre e que pode escolher, conforme afirma o Santo Bispo Agostinho. Porém, bom para Santo Tomás, é aquilo que não contaria a razão, sendo esta, por sua vez, proveniente e Dom de Deus” (COTRIM, 2004, p. 46).

Ética na Modernidade

A Modernidade ou Idade Moderna é um período da História que tem início em 1453 com a tomada de Constantinopla, Roma Oriental, pelos turcos otomanos, indo até 1789, data da Revolução Francesa. Silva (2006) informa que esse é um período de grandes transformações: culturais, como o Renascimento Cultural; políticas, como os questionamentos das monarquias absolutas; e econômicas, como a Revolução Industrial. Toda essa efervescência refletirá no comportamento humano e no pensar sobre as regras que o norteiam.

É nesse período em que as normas sociais se tornarão alvo de reflexão de inúmeros filósofos. A conduta ética torna-se um meio para a organização da sociedade e busca por igualdade social. Um dos autores que se ocupou de pensar esse momento histórico foi o filósofo alemão Friedrich Hegel (1770 - 1831), que argumentou em seus escritos que ética deve ser determinada pelas relações sociais, o que diferenciou significativamente este conceito do conceito de ética elaborada no período medieval (SILVA, 2006).

Para Hegel, os sujeitos são expressões históricas e culturais cujas ações são determinadas pela harmonia entre a vontade subjetiva individual e a vontade objetiva cultural. Como explica Valls (1994, p. 78), para Hegel:

[...]o indivíduo é visto como sujeito histórico-social, e como tal sua ação não pode mais ser analisada fora da coletividade, por isso a ética ganha um dimensionamento político. Isso veremos em diversos tratados e cartas de direitos que surgiram nesse período.

Para Hegel, o ideal ético estava alicerçado em uma vida livre dentro de um Estado livre, um Estado de direito, que “[...] preservasse os direitos dos homens e lhes cobrasse seus deveres, onde a consciência moral e as leis do direito não estivessem nem separadas e nem em contradição” (VALLS, 1994, p. 78).

Uma outra perspectiva que merece destaque na modernidade é o pensamento de Émile Durkheim (1858 - 1917) sobre o que ele chamará de moral social, que nada mais será que formas de conduta que os sujeitos têm de adotar para fazer da sociedade. Durkheim (1995, p. 42) argumenta que a sociedade, como um organismo biológico, um corpo social e como um:

[...] organismo biológico, possui vários órgãos, no caso a família, o Estado, a escola, a Igreja entre outros e cada qual com suas funções específicas de modo que a ‘anatomia social’ será saudável se todos os órgãos funcionarem bem.

A partir do momento em que um desses órgãos deixa de funcionar convenientemente, todo corpo social se ressente e adoece, e para Durkheim (1995) o que torna saudável uma sociedade, fazendo com que ela funcione harmoniosamente, é a existência de uma moral social, baseada no respeito às normas estabelecidas pelo Estado. É a partir dessa afirmação que vemos o caráter coercitivo da teoria durkheimiana: “[...] cabe aos indivíduos desenvolver planos de ação que possam influir na transformação dos aspectos deficientes da sociedade a partir de valores que possam orientar, efetivamente a sua conduta social” (DURKHEIM, 1995, p. 48).

Ética e a Moral e os seus Dilemas

Uma das maiores dificuldades para compreender o conceito de ética e sua aplicabilidade na vida social está relacionada à confusão desse conceito com conceito moral. Sim, há uma relação histórica entre os dois conceitos, no entanto eles não significam a mesma coisa. Um dos autores que pode nos ajudar a diferenciar os conceitos é Abbagnano (1998, p. 12), que define “[...] ética  como a ciência da moral ou da ciência da conduta”. Mas o que significa isso na prática?  

Na prática, Abbagnano (1998) pauta a sua discussão em pelo menos duas concepções de ética. A primeira concepção busca entender qual a finalidade da vida, afirmando que o ideal para o qual o homem se dirige é a felicidade, e a segunda se preocupa menos com o fim e mais com a investigação das questões que impulsionam a conduta humana. Para a nossa discussão, esta segunda definição é providencial, pois estamos mais preocupados em entender o porquê e em que contexto determinada norma foi constituída do que seu fim em si.

Valls (1994) afirma em seu texto que cada sociedade tem sua ética própria. Assim, não podemos dizer que há certo ou errado quando se compara o papel que se atribui à mulher no ocidente com o papel da mulher em sociedades do Oriente Médio ou na cultura muçulmana. O local da ética não é de julgamento, mas sim de entendimento. O local de julgamento fica mais a cargo da moral que, ao comparar determinado comportamento, atribui a ideia de certo ou errado. O comportamento moral é legislado pela ética. Valls (1994 p. 78) em sua argumentação, reforça a ideia de que “[...] a ética vai definir o que é bom e investigar princípios da moralidade de uma sociedade. Ela fundamenta e justifica certos comportamentos, mas não cria a moral”.

De acordo com Israel (2013, s/p), a moral de um povo “[...] é o conjunto de normas vigentes consideradas como critérios que orientam o modo de agir dos indivíduos daquela sociedade.”  Já Rios (2011, p. 29) afirma que:

[...] quando se qualifica um comportamento como bom ou mau, tem-se um critério que é definido no espaço da moralidade e isso interessa à ética no sentido de procurar o fundamento dos valores que oferecem sustentação para este comportamento bom ou mau.

Os problemas éticos são definidos como aqueles que exigem do indivíduo um confronto, uma escolha séria e racional a ser tomada. Para Peter Singer (1998 p. 78), “[...] os juízos éticos são universalizáveis, e além disso a ação ética é aquela que pode ser justificada não apenas pelos interesses do indivíduo que a executa, mas também pelos interesses dos outros sobre quem essa ação recai”.

Para Singer (1998, p. 80), “[...] as pessoas costumam confundir ética com moralismo, sobretudo em questões relativas à sexualidade e ao prazer; outras a encaram como um sistema ideal, nobre na teoria, mas inaplicável na realidade”.

[...] há ainda quem pense que a ética só tem sentido do ponto de vista religioso [...]; por fim, há aqueles que adotam o relativismo e o subjetivismo em questões éticas, negando a possibilidade concreta de princípios éticos de validade universal (SILVA, 2006, p. 119).

A partir da explicação anterior, Abbagnano (1998, p. 102) afirma que um “[...] problema moral é uma situação em que uma pessoa está dividida entre o certo e o errado. Um dilema moral envolve um conflito com o cerne dos princípios e valores de uma pessoa ou especificamente de um grupo”.

De acordo com Silva (2006, p. 120):

A escolha que a pessoa faz pode deixá-los sentindo-se sobrecarregado, culpado, aliviado, ou questionando seus valores. Um dilema moral muitas vezes obriga o indivíduo a decidir qual opção ele ou ela pode viver com, mas quaisquer resultados são extremamente desagradáveis, não importa o quê. Os dilemas morais são frequentemente usados para ajudar as pessoas a pensar através do raciocínio de suas crenças e ações.

Acerca dos dilemas morais, podemos incluir:

  • Em gravidez de alto risco o marido deve decidir entre a vida da mãe ou do filho;
  • Decidir aceitar ou não receber transfusão de sangue, mesmo que a religião à qual pertença a proíba;
  • Uma amiga descobre a traição do companheiro da melhor amiga. Contar ou não para ela?

Dilemas morais também fornecem tópicos para inúmeras discussões sociais no decorrer da vida, o que nos leva a nos posicionarmos contra ou a favor, de acordo com as crenças de nosso grupo.

  • A pena de morte;
  • Suicídio assistido por um médico;
  • Legalização do aborto;
  • Financiamento de campanhas eleitorais com dinheiro público;
  • Descriminalização da maconha;
  • Casamento de pessoas do mesmo sexo.

Ao contrário, os dilemas éticos são definidos por Silva (2006, p. 121) como inserido dentro de uma pessoa se ela:

[...] é forçada a decidir entre duas opções moralmente sólidas, mas elas podem entrar em conflito com os limites estabelecidos de uma empresa, uma agência governamental ou a lei. Alguns dilemas éticos podem envolver seguir a verdade versus ser leal a um amigo; seguir as leis ou regras versus ter compaixão pela situação de um indivíduo; e preocupações sobre uma pessoa individual versus o maior impacto em uma comunidade. Um dilema ético difere de um dilema moral, porque envolve muito seguir as regras ao invés de uma consciência, embora a consciência pode certamente mover um indivíduo para considerar quebrar as regras.

Os dilemas éticos são especialmente importantes nos campos da medicina e da justiça criminal e em carreiras como trabalho social e psicologia. Além disso, a maioria dos funcionários públicos tem que se submeter a treinamento de ética para lidar com dilemas comuns que podem encontrar ao trabalhar com o público. Os avanços recentes na ciência também trouxeram dilemas éticos interessantes e desconhecidos.

Alguns exemplos de dilemas éticos citados por Rebecca Ray e Kristy Littlehale (s/d, on-line) incluem:

  • Uma secretária descobre que seu chefe está lavando dinheiro e ela deve decidir se deve ou não entregá-lo.
  • Um médico se recusa a dar morfina ao paciente terminal, mas a enfermeira pode ver que o paciente está em agonia.
  • Um professor, que também é o treinador de voleibol, pede aos atletas que deem seus números de telefone celular para que ele possa entrar em contato com eles rapidamente. No entanto, de acordo com a política do distrito, os professores não devem ter contato com os alunos em seus telefones.
  • Ao responder a uma chamada de violência doméstica, um policial descobre que o assaltante é o irmão do chefe de polícia, e o chefe da polícia diz para o policial "fazê-lo ir embora".
  • Um empreiteiro do governo descobre que as agências de inteligência têm espionado seus cidadãos ilegalmente, mas está vinculado por contrato e legalidades para manter sua confidencialidade sobre a descoberta.

Indicação de leitura

Nome do livro: O que é ética?

Editora: Brasiliense

Autor: Álvaro Valls

ISBN: 8511011773

Comentário: O livro faz parte da coleção Primeiros Passos. Esta coleção tem como objetivo apresentar ao leitor uma breve exposição sobre os mais variados temas. Nesse sentido, Álvaro Valls faz uma análise da ética, perpassando diferentes momentos históricos.

Unidade Concluída

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